terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A Assembleia da Bicharada

Texto: Pedro Miguel Sousa       
Ilustração: Cátia Moreira

   Na selva, todos sabiam quem era o rei. Nunca ninguém ousou questionar as ordens que eram estabelecidas, porque o Rei Leão procurava sempre o melhor conforto para todos os habitantes do seu reino.
   Um dia, um grupo de animais da selva, dominados pela inveja, insatisfeitos por não ter mais do que os outros, porque o Rei Leão distribuía tudo de forma igual, resolveu juntar-se para derrubar o Leão do trono. Para isso, prometiam que depois distribuiriam os bens por todos eles.
     A Minhoca, a Lontra e o Escaravelho resolveram iniciar a investida para destronar o Leão e começaram a difamar as posições assumidas pelo líder actual. Nunca assumiam, publicamente, que o faziam, mas já todos desconfiavam que alguma coisa estranha se estava a passar.

           
     A Girafa, o Coelho e a Galinha foram os primeiros a juntar-se a este grupo liderado pela Minhoca. Ainda não conheciam as suas propostas, mas já se tinham apercebido que estes lhes poderiam dar as melhores regalias, porque nunca se preocupavam com os outros, mas só com eles e os que os rodeavam.
     O Leão, que tinha apenas do seu lado o Leopardo, o Tigre e o Burro, ficou muito triste ao ver que quase todos lhe viravam as costas, principalmente naquele momento em que a aldeia da selva conseguia uma escola para que todos pudessem preparar melhor o futuro dos seus filhos. Mesmo assim, o Leão não desistiu e disse que estaria presente na assembleia para apresentar as suas propostas e que ganhasse quem a maioria quisesse.
    No fim de algumas semanas, o dia da Assembleia chegava. De um lado, a Minhoca, a Lontra e o Escaravelho, apoiados pela Girafa, o Coelho e a Galinha, e do outro, o Leão, o Leopardo, o Tigre e o Burro. Nada estava decidido, a Cigarra, a Aranha, a Foca, a Cabra e a Vaca esperavam as propostas para poder decidir a sua posição.
     Os representantes de cada lista apresentaram as suas propostas, o Leão começou por dizer que continuará a apostar em projectos que possam engrandecer a selva e os seus habitantes e, para isso, criará mecanismos para que todos possam ter uma formação maior, principalmente na área das artes. Depois, a Minhoca, não foi muito perceptível, apenas referiu que se iria juntar a outros reinos porque assim estes a poderiam ajudar a conseguir muito mais, mas realçou que apenas ajudaria os que votassem nos seus projectos.
      A Cigarra não concordava com as propostas de nenhum deles, dizia que poderia existir outras melhores, mas como era escassa de ideias e ninguém a ajudou a lançar outras propostas, resolveu juntar-se à Minhoca. Afinal, o que queria mesmo era continuar na boa vida, de lugar em lugar, com a sua viola às costas e sem ter de se preocupar muito.
      Nesta primeira fase, ainda nada estava perdido, apesar de a Minhoca levar um avanço considerável. Três apoiavam o Leão e seis a Minhoca. As atenções voltavam-se agora para a Aranha, a Foca, a Cabra e a Vaca, que podiam decidir pela continuidade e em projectos que ajudassem toda a comunidade e votar no Leão ou na ruptura e preferir apenas projectos que servissem só para aqueles que escolhessem a Minhoca.
      Investidos da inveja, porque queriam uma vida mais farta só para si, a Aranha, a Foca, a Cabra e a Vaca juntaram-se à Minhoca. A festa fora enorme, a Minhoca saiu vencedora e tornava-se a Rainha da Selva. Logo decretou um aumento aos impostos, com o objectivo de conseguir maiores rendimentos para o reino e distribuir por aqueles que a tinham apoiado. Todos os seus seguidores a aplaudiam e lhe faziam festas, pois esperavam uma vida bem farta.
       O Leão, que era muito inteligente, logo encontrou uma forma de não pagar esses impostos absurdos, que ele nunca criará para não prejudicar ninguém, e que estavam a criá-los para que todos pagassem mas só alguns usufruíssem, e decidiu convidar os que sempre lhe foram fiéis para construir um novo reino, bem longe daquele, que tivesse leis iguais para todos. O Leopardo, o Tigre e o Burro não pensaram duas vezes e partiram sem que ninguém se apercebesse.
        Passados uns tempos, a algazarra deixou de ter importância. Os alimentos estavam a acabar e só vivia com muita fartura a Minhoca, a Lontra e o Escaravelho, ou seja, a Rainha e os primeiros que a apoiaram, todos os outros se sentiam traídos, afinal nada do que fora prometido estava a acontecer, pelo contrário, começaram a pagar mais impostos e a ter menos regalias. A revolta foi instantânea, a Minhoca, a Lontra e o Escaravelho tiveram de fugir e os outros animais foram à procura do Leão para que este voltasse a construir o Reino, mas o Leão, que os recebeu com um belo banquete, apenas lhes disse: “Quando vos dava tudo e comia do mesmo prato que todos vós, não me quisestes, porque a inveja é cega e querias mais do que os outros, agora, que vistes a verdade, que eu já conhecia e vos chamei a atenção, quereis que volte para um trono que eu deixei rico e vós destruístes. A minha resposta é ‘não’. Na verdade, nunca me senti tão Rei como agora, porque para ser Rei na selva não é preciso ter um castelo, mas contribuir para que todos, mesmo todos, possam viver de forma igual e não acima de ninguém.”
       Envergonhados, os animais impostores voltaram para o reino que ajudaram a destruir. Já no novo reino a festa fora intensa, pois sabiam que a sua união era mais importante do que qualquer cargo de poder.
in Caderno Cultural do Jornal Povo de Fafe (31-12-2010)

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